Estado Limite

(Duarte)

 

Chama-se Estado Limite               

E é o lugar onde estou              

Não sei se parta se fique          

Nunca ninguém cá ficou           

 

É dar o que não se tem.               

A alguém que não o quer.            

Ou será dar-me a ninguém.         

Porque já ninguém me quer?       

 

Que importa tanto vazio?

Que importa ser abandono?

As margens fortes do rio

Não são do rio o seu dono.

 

Tanta lembrança esquecida        

Tanta raiva no viver

 Quem já me lambeu as feridas

Quem já me lambeu as feridas

 

Chama-se Estado Limite

E é o lugar onde estou

Não sei se parta se fique

Nunca ninguém cá ficou.

 

 

 

 

Não Inventes                                                                             (José Carlos Barros/Armando Machado - Fado Licas)                            

 

Não venhas cá com merdas. Não inventes                                Não olhes nos meus olhos. Sai apenas                                      E poupa-me aos discursos eloquentes                                      

e às farsas do adeus. Não faças cenas.                                                   

Não digas que lamentas ou que a vida                                      às vezes é assim: que tudo esquece;                   

que o mundo e o tempo curam qualquer ferida.                        Repito, meu amor: desaparece.                                                  

E leva o que quiseres de tudo quanto                                        um dia suspeitámos partilhar:                                                    os livros, as esculturas em pau-santo,                                        os discos, os retratos, o bilhar.                                                   

Não deixes endereços. Por favor:

Eu quero é que te fodas, meu amor.

 

 

 

Meus Olhos Que Por Alguém

(António Botto/ José Joaquim Carvalho Jr. –
Fado Menor do Porto)

 

Meus olhos que por alguém
deram lágrimas sem fim
já não choram por ninguém
- basta que chorem por mim.

Arrependidos e olhando
a vida como ela é,
meus olhos vão conquistando
mais fadiga e menos fé.

Sempre cheios de amargura!
Porque a vida é mesmo assim,
chorar alguém - que loucura!
- basta que chorem por mim.

Deixou de Ser Outra Coisa

(Duarte/ Luciano Maia e Duarte)

 

Deixou de ser outra coisa

Passou a coisa qualquer

A verdade é que ele há coisas

Que matam quem as não quer

 

I

O lugar onde me viste

Não foi onde me deixaram

Mas este lugar existe

Porque a ele me levaram.

 

Este lugar não é meu

Não é lugar de ninguém

Não é para ti nem para Deus

Nem sei se para mim também.

 

Lugar de quem quase foi

Lugar de quem pode ser

Lugar que tanto me dói

Lugar de até outro haver.

 

II

Não é lugar de tristeza

Não é lugar de abandono

É como ter por defesa

Uma certeza sem dono.

 

Assim que dele dei conta

Contei com ele e comigo

Lugar de fazer de conta

Lugar de quase castigo.

 

Lugar de quem quase foi

Lugar de quem pode ser

Lugar que tanto me dói

Lugar de até outro haver.

 

 

 

Likes

(Duarte/ Alberto Costa – Fado Dois Tons)

 

Quantos “Likes” já tiveste?

Quantas visualizações?

Quantas vezes te vendeste

Sem poemas ou canções?

 

Ilusões de quem partilha

Para que seja partilhada

Importa mais o que brilha

Brilhe pouco ou mais que nada.

 

Tão pouco do que sustenta

Tão pouco do que nos vale

Quando alguém diz que lamenta

Antes assim que mais mal!

 

Tão estranha forma de vida

Tão sem vida publicada

Quantas vezes foi escolhida?

Quantas vezes foste amada?

Maria da Solidão

(Duarte/ Vitorino Salomé)

 

Fui Maria por amor

Por acaso e sem saber

Foi-se perdendo o amor

Na urgência de o fazer.

 

Maria de sua mãe

Maria que o pai não queria

Quando me vi sem ninguém

Inventei tantas Marias.

 

Maria-Rapaz que fui

Maria-vai-com-as-outras

Maria que se dilui

Maria das pontas soltas.

 

Maria, mulher amada.

Maria, tão doce mãe.

Enganei. Fui enganada.

Maria de mais ninguém.

 

Se os lugares por onde andamos

Forem nomes que nos dão

Podem chamar-me Maria

Maria da Solidão.

Ficha Técnica:

Duarte | Voz

Pedro Amendoeira | Guitarra Portuguesa

João Filipe | Viola de Fado

Carlos Menezes | Viola-baixo e Contrabaixo

Salomé Pais Matos | Harpa (em Não Inventes)

Filipe Raposo | Piano (em Maria da Solidão e Não Importou Que Ficasse)

Luciano Maia | Acordeão (em Deixou de Ser Outra Coisa, Likes e Do vagar)

Miguel Monteiro Guitarra Eléctrica (em Estado Limite)

João Pita | Violão de Sete Cordas (em Obrigado)

Mário Lopes | Tarola e Percussões (em Deixou de Ser Outra Coisa e Fim)

Pedro Segundo | Percussões (em Obrigado)

Mema. | Voz, Guitarra Eléctrica e Electrónica (em ReViraVolta)

Vitorino | Voz (em Maria da Solidão)

Ricardo Ribeiro | Voz (em Do Vagar)

Pedro CaladoVoz (em Do Vagar)

Grupo de Cantares de Évora | Vozes (em Do Vagar)

Carlos Menezes e Duarte Produção Musical

Alain Vachier | Produção Executiva

Fernando Nunes | Gravação, Mistura e Masterização

Ricardo ReisFotografia

António Faria | Design e Grafismo

Não Importou Que Ficasse

(Duarte)

 

Não importou que ficasse

Não importou que estivesse

Sem asas brancas chegaste

Sem asas brancas vieste

 

Desarmado na chegada

Sem defesas no sentir

Silêncio. Casa arrumada.

Insónia pronta a servir.

 

Tão vazio quanto podia

Tão sem nada que enganasse

Não importa o que seria

Não importou que ficasse.

 

Não importou que ficasse

Não importou que estivesse

Sem asas brancas chegaste

Sem asas brancas vieste

 

Só queria que reparasses

Se não estivesse por perto

Sem asas brancas chegaste

Partimos sem espaço aberto.

 

Tão vazio quanto podia

Tão sem nada que enganasse

Não importa o que seria

Não importou que ficasse.

 

Não importou que ficasse

Não importou que estivesse

Sem asas brancas chegaste

Sem asas brancas vieste

Obrigado

(Duarte e Cláudia Lucas Chéu/ Duarte)

 

Uma vez na vida,

despi a armadura para conhecer a

temperatura morna de outra pele.

Não contava sentir o frio do aço

que me trespassou as costas,

até aos ossos.

Cláudia Lucas Chéu

 

Agradeço a ilusão

Agradeço-te a traição

Também agradeço o trauma

As manhãs e as noites tristes

A solidão que persiste

A quase morte tão calma.

 

Não ser capaz de sorrir

Não ser capaz de beijar

Não ser capaz de sentir

 

Posso ficar descansado

Que assim não volto a amar

 

Obrigado.

ReViraVolta

(Duarte)

 

Se for importante volta
Se não for, não tem de ser.
Que a vida dá muitas voltas
E as voltas fazem doer.

 

Eu não sou de quem me prende
Nem tão pouco de prender
Quem me prendeu não entende
Prender é quase morrer.

 

São tantas voltas que damos
Por cada volta trocada
Volte-face é desengano
Estamos de voltas contadas.

 

Se for importante volta
Se não for, não tem de ser.
Que a vida dá muitas voltas
E as voltas fazem doer.

 

Vai na volta que é tristeza
Reviravolta alegria
Da vida fica a certeza
Que as voltas são como os dias.

 

Se à partida cada volta
Tem outra volta que traz
Se for importante volta
Se não for, tanto me faz.

 

Se for importante volta
Se não for, não tem de ser.
Que a vida dá muitas voltas
E as voltas fazem doer.

Do Vagar

(Duarte/ Carlos Menezes)

 

Não sei se o vagar é tempo

Não sei se o vagar é espaço

Mas é vagar o que eu tenho

E é com vagar o que eu faço.

 

Vem da terra de onde eu venho

Vem de quem antes de mim

Com vagar, sem querer saber,

Também vagueava assim.

 

Não é coisa que se venda

Nem coisa que dê nas vistas

Vagar é coisa que prende

E coisa que se conquista.

 

Não sei se o vagar é tempo

Não sei se o vagar é espaço

Mas é vagar o que eu tenho

E é com vagar o que eu faço.

 

Vagar de quem faz o tempo

Vagar de lugar vazio

Vagar das coisas que invento

Vagar das águas do rio.

 

Vagar de quem fica vago

Vagar de quem se quer livre

Vagar de ficar ao largo

Vagar que nem sempre tive.

 

Não sei se o vagar é tempo

Não sei se o vagar é espaço

Mas é vagar o que eu tenho

E é com vagar o que eu faço.

Fim

(Mário de Sá-Carneiro/João Gil)

 

Quando eu morrer batam em latas,

Rompam aos saltos e aos pinotes,

Façam estalar no ar chicotes,

Chamem palhaços e acrobatas!

 

Que o meu caixão vá sobre um burro

Ajaezado à andaluza:

A um morto nada se recusa,

E eu quero por força ir de burro!

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